O Inquieto Sonhador – Entrevista com Yuno Silva

 

Por Fábio Farias

Atualizado

Yuno olha nos olhos. Movimenta o tronco, a cabeça, faz vários gestos com a mão, se mexe para cá, se mexe para lá, rabisca a folha em branco em cima da sua mesa, mas não tira os olhos dos olhos do ouvinte. Olhos cor castanhos que espelham uma alma inquieta, brincalhona e sonhadora. O rosto conserva traços indígenas, um sorriso e a cara de ser uma ótima pessoa para convidar a um bar e tomar umas. 

Jovem com mais de 30 anos de idade e uma filha no currículo, detalhe que quase não se percebe dentro da sua aparência de 26, talvez, no máximo, 27 anos. Yuno Silva é jornalista, cria do bom jornalismo cultural e multiplicador do Overmundo na cidade. É um daqueles personagens que conseguiu realizar o sonho de todo adolescente que pensa em seguir a profissão – ser independente, talentoso e honesto suficiente para denunciar um abuso contra a sociedade e sobreviver para contar a história.

Sozinho ele fundou o SOS Ponta Negra, numa iniciativa que impediu os chamados “espigões” de serem construídos à beira da praia. A coragem rendeu a ele a sentença de não mais trabalhar em redações e o título de inimigo número 1 do empresariado imobiliário natalense. Mas Yuno não está nem aí, o negócio dele agora é produção cultural. Mensalmente ele organiza a festa Coleta Seletiva no Castelo Pub, anualmente é o babá das bandas independentes que tocam no Festival MADA. E agora, de dois em dois anos, sai como candidato ao legislativo pelo PC do B.

Catorze – Como foi seu início no jornalismo?

Yuno – Cara, me formei no ano passado, passei de 99 a 2007 no curso. Sempre me envolvi em várias missões e por isso demorei tanto. Comecei como estagiário da Tribuna do Norte e passei dois anos por lá na editoria de cultura. Trabalhei no cabugi.com, eu sou desde a época das torres gêmeas Mas sabe, o jornalismo cultural fica cada vez mais fechado, tá supérfulo, perdendo espaço para outras editorias, muita coluna social para pouca cultura. Mas eu tava na Tribuna, teoricamente o trabalho era 5 horas formado e 4 como estagiário, mas eu passava 8 horas na redação e mais 4 fora da redação. Eu passei dois anos, 12 horas em casa ou dormindo, mais 12 horas ralando, ganhando aquela merreca.

Catorze – Você foi o responsável pelo Overmundo aqui em Natal. Como foi isso?

Yuno – Eu pensava muito nessa proposta de um jornalismo cultural diferente, ele é muito limitado a uma agenda e as assessorias de imprensa, muitas vezes o editor manda você ajeitar o release ou então, muitas vezes, publicava o release inteiro. Nesse trabalho todo, tudo que procurava sobre cultura em Natal no Google, caía no meu nome. O grande lance é ta na rede. Eu já vinha escrevendo sobre cultura, tinha coisa no ar. E aí o Buca Dantas (cineasta) foi chamado para entrar, mas ele tava envolvido com outros trabalhos e o Hermano Viana me ligou. Deu certo e eu fui para o primeiro encontro do Overmundo, no Rio de Janeiro, com um de cada estado do país exceto um ou outro que não pode vir. Mas éramos 20 e tantos. Foi um projeto super legal bixo.

Catorze – E por que você saiu do Overmundo? Você era o responsável…

Yuno – Não saí do Overmundo… Na verdade não existe mais responsável. O projeto tinha um ano e meio de financiamento e aí eu trabalhei por um ano e meio e ai comecei a entrar com outro login, da raudiovisual. O meu login foi desaparecendo. Mas não é que eu tenha desistido, era a validade mesmo do projeto. O lance era deixar o site andando pelas próprias pernas. Digamos que eu fui um multiplicador do site.

Catorze – Você foi editor de cultura do finado cabugi.com, como foi a experiência? Como foi lidar com as pressões?

Yuno – A pressão maior é no jornal impresso. O lance mesmo é a falta de tempo e de não ganhar o justo pelo que você trabalha. É frustrante chegar num jornal já mastigado pela editoria, sem carro, sem estrutura. Certa vez eu tinha uma matéria super massa, sobre o Jordão, um artista plástico. O cara é um puta escultor, fez aquele anjo azul na Hermes da Fonseca. Um cara super interessante e que não tem telefone, você encontra com ele na rua, por acaso. No jornal não tive oportunidade, no Overmundo eu pude ter.

Catorze – E as outras experiências com jornalismo?

Yuno – Sabe o coquista Chico Antônio? A casinha dele lá em Pedro Velho ainda continua do mesmo jeito desde quando ele morreu. Eu fui lá, com um cara que tava fazendo uma matéria gastronômica em outro município e no meio do caminho, me deixou em Pedro Velho, eu desci fiz a matéria e na volta o fotógrafo fez umas fotos da casa quase caindo. E a matéria ficou massa pra caralho, repercutiu muito. Foi um prazer. Teve outra vez que rolou uma série na Casa da Ribeira, o Quarta Musical no ano de 2006, eu ia como público e acompanhava todo o projeto fazendo críticas dos shows. E rolou uma repercussão massa, as pessoas ficavam esperando para saber o que ia sair na crítica. Fiz muitos amigos e inimigos com isso. Foi nessa época também que passei a exigir que os títulos fossem meus, é foda, o cara escreve a matéria e colocam o título. Numa dessas séries o editor colocou um título e um sutiã que deixou a crítica com um tom que eu não queria.

Catorze – Ainda é possível fazer jornalismo cultural de qualidade aqui?

Yuno – É possível, mas independente. Fora das redações. Tem que se criar o próprio veículo e impresso ainda, claro que tem que usar a internet, mas tem que se fazer algo impresso.

Catorze – E o que você acha de iniciativas tipo a revista Brouhaha?

Yuno – É bacana, mas falta muito o lance da continuidade. Se mudar de prefeito, pode num ter mais. Como a Preá não teve. E pode virar uma panelinha também, um cabide de empregos. Essa é a parte negativa. A positiva é que pessoas como Manoel do Congo lá de Ponta Negra foi entrevistado, o hip hop foi a capa da primeira Brouhaha que até hoje eu tenho. E o legal que vira conteúdo para colecionador também, até pela má distribuição da revista. O cara tem que bater lá na Capitania para pegar e muitas vezes acaba a edição, como aquela do Poema Processo. Foda que sai 2 mil revistas e umas 200 são distribuídas para agradar – para o empresário ver que a marca dele e ficar jogada numa gaveta.

Catorze – Será que dá para matar a fome com jornalismo independente em Natal?

Yuno – Dá.

Catorze – Certeza?

Yuno – Certeza!

Catorze – E como é que foi passar do jornalismo para a militância, pro SOS Ponta Negra?

Yuno – Cara, foi uma loucura da minha vida que até hoje eu amargo conseqüências. Amargo e também me delicio. Foi uma mudança da porra na cidade. Inclusive criei mais inimigos e mais amigos nisso. Mas o SOS Ponta Negra foi uma doideira, eu passei assim um tempão pensando se deveria começar ou não, fiz até uma enquete, chegava e perguntava para todo mundo “ei, você ta sabendo dos prédios que estão construindo perto do morro?” Mas ninguém sabia de nada. Perguntei para motorista, faxineira, executivo, professor, todo mundo. Ninguém sabia de nada. Como eu tava trabalhando em campanha política na época, eu falei para o meu candidato: “olha a bomba que eu tenho aqui”, mas ele não disse nada. Na verdade, não foi só para ele, falei pro partido inteiro na época da campanha “ta acontecendo isso, isso e isso, vão entrar nessa? Se não forem, vou entrar sozinho nessa parada…”

Catorze – Como você descobriu?

Yuno – Foi por acaso cara, tava na sala de espera, podia ter pego a revista Caras, qualquer outra revista, mas aí peguei uma revista de imóveis. Ai eu abri e vi. “Caralho, que porra é isso bicho!” os prédios colados no morro do careca, colado, colado mesmo no morro do Careca, na mesma rua. Era o morro aqui e o prédio ali. Ai “Fudeu”, saí de lá indignado. Eu falei pro pessoal do partido que se eu criasse aquilo ali, tava cavando minha cova como jornalista nas redações, TV, rádio, cabou. Se eu não fizesse nada, iam construir prédios lá no morro. E eram vários e já estavam em construção…

Catorze – A partir daí nasceu…

Yuno – Foi. Uma das grandes vantagens do SOS Ponta Negra foi ser a favor. Se o negócio desse errado, eu tava fudido. Tenho filha para criar, não sou rico, não tenho poupança, meus pais não são ricos. Eu criei o blog, eu tenho email de muita gente aqui, mandei para todo mundo com o conteúdo prontinho, só falando a favor. Não citei construtoras, não citei empresas, não citei ninguém, falei que era a favor da cidade, a favor da praia, a favor de Ponta Negra. Nada atacando ninguém. A Tribuna do Norte me ligou, eles estavam com o furo na mão, fizeram a matéria, mas não soltaram. Ai os outros jornais me ligaram e no final de semana saiu na capa dos quatro jornais. Na outra semana a gente estava na praia, fazendo o primeiro Abraço ao Morro e tinha televisão, rádio, tava todo mundo lá. Virei fonte de uma hora para outra. E ai comecei a receber email me insultando e ameaçando. E eu me assustei, eu tenho filha cara. Minha vida entrou em crise geral. O negócio ficou preto e tive que me esconder. Passei seis meses escondido em Nova Descoberta.

Catorze – Mas você teve medo de morrer?

Yuno – Tive, fiquei paranóico. Passei seis meses com medo de atirador de elite, trancado na casa do meu amigo. Andando a pé e sem um tostão. Eu tenho meu trampo de produtor cultural, mas é só de julho a dezembro, isso aconteceu no final de 2006, início de 2007. Passei o carnaval de 2007 vendendo LP. Metade da minha coleção a R$ 1. Vendi um George Harrison, original, com o pôster a 30 conto cara. Eu não tinha dinheiro para nada, nem para voltar para casa. Eu vivia recebendo uns emails, pedindo para eu parar o movimento, deixar os caras construírem os prédios. E depois, no mesmo ano, na pindaíba me chamaram para conversar numa agência de publicidade. Pensei que fosse trampo, mas me enganaram. Chegou dois consultores falando para eu parar com aquilo, que tinha muito dinheiro envolvido, blá, blá, blá, que eu podia ser parceiro e eu mantive o discurso de ser a favor da praia. E eu sem um tostão no bolso. Só falava que não queria que construíssem cinco prédios em frente ao morro do Careca. Ai um deles levantou e falou “sou pai, sou jovem que nem você e sei que os prédios podem ferir a paisagem, mas deixe construírem”. Eu falei “olha, o problema de vocês agora é com a prefeitura e com o Ministério Público. Eu sou comunidade, daqueles que não quer ver cinco prédios do lado do morro do Careca, é tudo ilegal, é tudo errado” e saí de lá.  E nisso o movimento ganhou força, começamos a investigar, tivemos o apoio da promotora (GIlka da Mata) e formou uma rede muito legal com pessoas de todas as áreas começamos a acompanhar as audiências públicas. E isso tudo resultou na Operação Impacto. A gente ficou tão em cima, que neguinho teve que começar a soltar a grana.

Catorze – Como assim?

Yuno – A Operação Impacto começou com a gente fazendo pressão e quem sabia que podia rolar algo de errado ficou de olho. O lobby das imobiliárias ia ter que soltar uma grana para poder ganhar alguma coisa. O bacana do movimento é que as pessoas passaram a olhar com outros olhos a cidade, mudou totalmente. A gente impediu esse ano, por exemplo, a construção do emissário submarino.

Catroze – Hã?

Yuno – Eram 80 milhões para Natal construir uma rede de esgoto que ia ligar toda a Zona Sul (Neópolis, Ponta Negra, Capim Macio…). Ele ia sair pela Cidade Verde, margear a Rota do Sol e terminar no fundo do mar. Sem tratamento nenhum. Deu descarga e saia merda direto no mar. A justificativa deles é que iria economizar 15 milhões e dar menos trabalho. E encheram a boca para falar que em Boston tem o maior emissário submarino do mundo. Eles marcaram a audiência bem longe de Ponta Negra. A gente foi lá e durante a audiência eu falei que o negócio dava tubarão. O cara começou a rir. Nisso o professor especialista, Manoel Lucas, começou a não se segurar na cadeira, ele pediu para falar e explicou que os dejetos orgânicos podiam atrair peixes pequenos, que atrairia maiores o que chamaria tubarões e outro professor de ecologia chegou e falou. E aí conseguimos bloquear a construção.

Catorze – E do SOS Ponta Negra saiu o SOS Tabatinga né?

Yuno – Foi um filhote, já existia a demanda, só faltava o ponta pé. Teve também outros SOS’s, mas sem um jornalista doido para botar na internet.

Catorze – Daí para ser candidato a vereador como foi?

Yuno – Eu escondi isso daí a muito tempo, para não atrelar a imagem do blog a minha candidatura. Comecei a pensar nisso um pouco depois do movimento. Muita gente me chamou para entrar em partido, mas fiquei com aquele que tava do meu lado desde o início do movimento, sem cobrar nada: o PC do B. E eu deixei o mais discreto possível. Tipo, nessas eleições tive 572 votos, mas não gastei nenhum centavo. Não gastei nada. Só email, blog e santinho que o partido deu. Fiz questão de separar o SOS Ponta Negra da candidatura. Nem coloquei nada no blog.

Catorze – Você pretende se candidatar a deputado estadual?

Yuno – Sim… Na verdade quero ser vereador. Vou tentar para somar a legenda, pro pessoal ver que eu to querendo mesmo. Mas se eu chegar lá, vou chegar com a visão de jornalista, correr atrás da liberação de TV e rádio comunitária. Tentar desburocratizar o plantio de árvores, para cada pessoa que nascer ganhar uma árvore para plantar.

Catorze – E a produção cultural. Como é que começou?

Yuno – Cara, eu era bancário. Eu trabalhei no ERECOM 2000 (Encontro Regional de Estudantes de Comunicação). Fizemos um evento para mil pessoas, com alojamento, shows… Comecei por aí. E no MADA, fui fazer contato para uma banda com o pessoal do evento, isso em 2002, ai faltava gente para panfletar. Entrei na equipe do MADA como panfletador. Eu falei que só queria água e os ingressos. A gente panfletou loucamente e a minha sorte é que a gente foi num bar e foi numa mesa, a equipe numa animação grande e quem tava lá? Jomardo (produtor do evento). Ele sentiu firmeza, virou meu amigo e eu entrei para a equipe.

Catorze – E você trabalha especificamente em quê no MADA?

Yuno – Eu já passei por quase tudo de lá. Desde ficar no palco, no camarim. Mas de dois anos para cá eu faço o seguinte: entro em contato com as bandas independentes, vejo a questão de passagens e tal. Eu controlo o email da produção, vejo a questão do releases das bandas. Tem banda que nem sabe o horário de voltar. Teve um ano que eu tive que deixar o Cachorro Grande esperando para deixar uma galera no aeroporto. Duas horas.

Catorze – Os caras não ficaram putos não?

Yuno – A minha sorte é que tem um piano bar no Imirá, tinha umas gatas lá, eles ficaram tocando piano, tomando cerveja e passou num instante. Essas histórias dos bastidores são ótimas.  Esse ano também foi do caralho. No último dia era Mallu Magalhães, Seu Jorge, Lirinha do Cordel até oito horas da manhã no piano bar. Tive que ficar só no Red Bull para avisar ao pessoal a hora de ir.

Catorze – Rolou uma crítica no MADA pedindo uma curadoria que ouça e chame as bandas para tocar. O que acha disso?

Yuno – Uma curadoria transparente né? Acho que seria legal.

Catorze – É que as bandas independentes do festival esse ano foi uma tristeza…

Yuno – Acha mesmo? Nem achei tão ruim. A do ano passado foi pior. Só Móveis que salvou mesmo. Mas a de 2006 foi do caralho, Daniel Belleza, Cabaret, Cansei de Ser Sexy.

Catorze – E a festa Coleta Seletiva?

Yuno – Como eu não tenho mais como arranjar emprego formal, o Coleta ta sendo meu ganha pão, minha única fonte de renda. A idéia é no futuro fazer todo final de semana. Mas de início vai ser todo mês.

7 Comments

  1. Posted outubro 20, 2008 at 11:29 pm | Permalink

    Muito massa a entrevista, Fábio. Não conhecia o Yuno não. O cara parece ser firmeza mesmo. Boto fé nele.

  2. Anastácia Vaz
    Posted outubro 22, 2008 at 3:34 pm | Permalink

    Muito boa a entrevista, abordou vários assuntos e ficou coerente.

    Parabéns, para os dois!

  3. Júlia Timm
    Posted outubro 25, 2008 at 2:01 am | Permalink

    Fábio!
    Quero analisar este blog na minha mono. Posso?
    Beijim!

  4. Júlia Timm
    Posted outubro 25, 2008 at 2:24 am | Permalink

    Mudei de idéia. Vou falar sobre o Blog do Rosk. É que ele já tem mais tempo. É um “veículo consolidado”. Hehehe.
    Nos falamos dia desses.

  5. Juliana Bulhões
    Posted outubro 27, 2008 at 3:31 am | Permalink

    Entrevista massa… o caba é bom mesmo! xD

  6. Posted janeiro 29, 2009 at 4:46 pm | Permalink

    fala Catorze’s, belezzz!?

    Mesmo no verão eu continuo firme na cibernética… ô praia boa, pena que tá ficando poluída. Enquanto isso, vamos tentando salvar o que resta!

    Tô passando pra deixar registrada minha admiração pela equipe e pela atenção do Fábio.

    Fábio, a entrevista ficou ótima: conversamos tanto aquele dia na livraria (rimou)… muito legal a compilação das respostas.

    Só duas correções: comecei como estagiário do Cabugi.com, depois que fui pra Tribuna. E o SOS Tabatinga foi criado um pouco antes do SOS Ponta Negra (mas não tínhamos contato nenhum antes, foi coincidência mesmo!).

    E que consigamos vencer como jornalistas culturais.

    Abrass e boa viagem.

  7. Posted março 6, 2009 at 5:17 pm | Permalink

    eu amo e admiro muito esse cyber-índio-mangueboy. 😉


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